Você quer mesmo saber?

Rayane France
4 min readJan 5, 2021

Não, não queria. Ou melhor, até queria, mas não naquele momento, ali eu queria congelar o tempo.

Eu não via o João há pelo menos uns 5 anos, foi uma ruptura brusca, dolorida. De repente nossos círculos sociais mudaram, amizades em comum sumiram, relacionamentos terminaram, familiares mudaram de cidade… Depois, foi como se ele nunca tivesse existido.

Perdi as contas de quantas vezes entrei em suas redes sociais, a foto do perfil era a mesma desde que nos conhecemos há mais de 10 anos, nenhuma atualização. No perfil da irmã (que já foi minha amiga) não tem nenhum sinal dele, a garota que ele namorava quando sumiu também não atualiza as redes há anos.

Nada.
Nenhum sinal de fumaça.
Até hoje.

Não foi como nos filmes quando alguém vem em sua direção em câmera lenta com uma trilha sonora ao fundo, foi um susto. Depois de anos, depois de uma eternidade, João apareceu na minha frente na estação central de metrô, do outro lado da cidade.

“- Helô?”
“- …”.
Sorri.

E de repente, ainda mais de repente do que a separação, lá estava eu dentro do abraço dele de novo, com o mesmo perfume com notas oceânicas que o faziam ter cheiro de manhã na praia mesmo nessa cidade sem mar.

“- Meu coração até errou as batidas quando te vi aqui, depois de tanto tempo…”

Ele disse, mas não tive coragem de contar que o meu tinha parado de vez no momento que o vi.

“- Sim, quanto tempo… como você está?”. Perguntei sem conseguir parar de sorrir, ele também não.

“- Você quer mesmo saber?”. E abriu aquele sorriso debochado que causou tantos problemas no passado, um sorriso bonito, muito bonito.

“Como você está” depois dos 20 anos tem outro sentido, o que se quer saber não é se você está realmente bem, mas se casou, se formou, está trabalhando e ganhando dinheiro, teve filhos, passou em concurso que paga bem e saiu de casa. Eu não queria saber, não tinha curiosidade nenhuma sobre o que ele estava fazendo na vida, Busquei tanto notícias e agora que ele estava ali nenhuma delas é relevante, percebi que o buscava por saudade.

“- Foi aqui na frente que a gasolina do carro acabou naquela madrugada, não foi?”, perguntei.

Ele levou a cabeça pra trás e gargalhou, como quem se lembrava de uma história muito boa e se encostou na parede do meu lado.

“- Foi sim! Nunca mais deixei a gasolina chegar na reserva depois daquela noite…”

A noite em questão era o aniversário de um dos nossos melhores amigos em comum. Fomos com mais uns 10 amigos fazer uma surpresa na casa do Felipe, todo o corre do dia, buscar bolo, encher balão, fazer compra, pegar as chaves com os pais… João esqueceu de abastecer o carro e na volta pra casa a gasolina simplesmente acabou antes que a gente chegasse em um posto, o carro parou na avenida em frente àquela estação de metrô, 2h da madrugada, e lá vamos nós e mais 3 amigos andar até o próximo posto para 24h pedir ajuda. Ninguém mal humorado, pelo contrário, virou festa, virou história no dia seguinte.

O metrô chegou. Sentamos juntos no chão do fundo do trem, exatamente como costumávamos fazer. Continuamos lembrando de histórias com amigos, histórias que só nós dois vivemos, piadas internas, ele também não perguntou como eu estava… talvez não se importasse.

Lado a lado grudados, com a cabeça encostada na parede, virados um pro outro, desenterrando memórias como quem abre cápsulas do tempo, nossas histórias envelheceram muito bem, ao mesmo tempo tinha certeza que nunca mais faria nada daquilo de novo. Hoje seria irresponsável, com ele era sedutor.

A mocinha do trem avisou que a próxima estação estava chegando, e se bem me lembro, ele desceria após aquela, caso não houvesse se mudado.

João virou para mim sem o mesmo sorriso de minutos atrás:

“- Senti muito a sua falta Helô, não sei o que acontec…”
“- Eu também senti muito a sua falta”,
interrompi, não quis dar a chance dele nos puxar pra realidade de novo.

Nos olhamos por uns segundos, não tinha o que falar.
Eu o amava muito, muito. Ele bêbado sempre declarava seu amor de volta, e dizia que eu era a única pra quem ele não tinha coragem de mentir, independente do que custasse. João namorou Carol por uns meses, ela era minha amiga e, bom… não mentiu quando perguntei com quem ele estava em um determinado dia, e eu não pude esconder dela. Terminaram e nunca mais falamos sobre o que aconteceu e continuamos muito próximos.
Talvez fosse assim desde sempre?! A gente entrava na nossa bolha e deixava o resto do mundo de fora, pra não nos obrigar a encarar a realidade.

João me abraçou apertado, e só nos afastamos quando a voz da mocinha disse que a estação dele era a próxima: “Arniqueiras station…”, rimos juntos, era mais uma piada interna que não tinha graça se compartilhada.
Ele levantou e saiu.

Não sei explicar como cheguei em casa. Tomei um banho, peguei meu chá e fui pro quarto, abri o instagram e pesquisei por ele de novo, João Aires, e pela primeira uma conta privada com um rosto familiar apareceu no topo da lista.

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Rayane France

brasiliense, 95’s, criativa, meio artista, meio escritora, beyhive e de Jesus