Preciso te contar: estou apaixonada pelo Luquinhas da sétima série

Rayane France
6 min readJan 28, 2021

Oi, Bárbara! Preciso te contar uma coisa…

Nunca mais mandei notícias, mas preciso confessar, estou perdidamente apaixonada pelo Luquinhas da sétima série, ele tem uns 15 anos e eu sei estou na casa dos 30, mas vou me explicar…

Como você sabe, desde o início da pandemia e do trabalho remoto, decidi me isolar no sítio da família, a casa maior onde meus avós moram cabe tranquilamente umas 20 pessoas e tem uma casinha menor, de 3 cômodos, tipo um chalé que eles alugam pelo Airbnb para casais que querem passar um fim de semana romântico próximo à Chapada.

Optamos por meus pais ficarem na casa maior com meus avós e outros tios que puderam se isolar, e eu ficaria no chalé por ter uma internet melhor para trabalhar e ficar longe da gritaria dos meus primos menores. O que acontece, Bárbara, é que eu enlouqueci.

As primeiras semanas foram tranquilas, subi à casa dos meus avós para almoçar e jantar, fiz outras refeições por aqui mesmo, meditei e fiz yoga ao ar livre… Tenho certeza de que se estivesse naquele apartamento barulhento de 40m², teria surtado. Mas, depois, algumas coisas começaram a acontecer. Toda noite eu sonhava com alguém de quando era mais nova, uma amiga que não via há anos, algum carinha de quem eu era a fim, vizinhos antigos, colegas de turma… O problema é que eu não acordava e esquecia pessoas durante o dia.

Semana passada sonhei com a Clara e com a Gio, acho que te contei sobre elas alguma vez. Éramos melhores amigas, estudamos juntas por uma década, e, após o fim do primeiro ano, começamos a ser apenas colegas de escola… Nada aconteceu, só nos afastamos. No sonho, a gente estava em uma sala de aula da oitava série, tendo alguma atividade de matemática, mas éramos adultas e estávamos muito, muito felizes, não pela aula, mas por estarmos juntas.

Acordei morrendo de saudades de momentos que nunca existiram, saudades da amizade adulta que, sei lá o motivo, não vivi com a Clara e a Gio. Abri as redes sociais das duas e estão bonitas e felizes como nos meus sonhos, mas sem mim. Confesso que não sei se seríamos melhores amigas hoje; a Gio só posta bumerangues fazendo bico e fotos de drink toda sexta-feira. TODA. SEXTA. FEIRA. Você acha que ter feito um curso tão de humanas na faculdade me tornou uma chata sem paciência pra gente cujo o único traço de personalidade da pessoa é postar fotos iguais toda semana?

E aí tem o Lucas. O Lucas talvez seja minha maior paixãozinha adolescente.. Éramos da mesma escola, de turmas diferentes, e ele era bem bonito, alto, um corpo grande, não era um magricela igual os meninos do futebol, as pernas eram bem grossas, inclusive. Tinha o cabelo bem preto meio espetado pra cima, um sorriso bem bonito de aparelho, a pele clara com manchinhas de acne, usava quase sempre uma jaqueta bomber de tactel azul marinho e bermuda esportiva. Prestei atenção nele em um dia que meu professor de educação física deu aula para duas turmas ao mesmo tempo, e como ele não jogava futebol, ficou sentado conversando comigo e outras pessoas.

O fato é que fiz amizade com esse garoto e me apaixonei por esse garoto, só que nunca me declarei. Viramos amigos, nossas turmas ficaram bem próximas, Lucas até ficou com umas amigas minhas. Éramos muito grudados. No ano seguinte, conseguimos que ele fosse transferido para a nossa turma e a convivência foi ainda maior até o fim do ensino fundamental, e nunca passou de amizade.

Quase 15 anos depois, me vi sonhando com Lucas. Várias vezes. Em uma delas, era copa do mundo e nós estávamos com amigos da escola em uma casa assistindo ao jogo, e como tinha ficado bonito esse garoto… Todos os sonhos foram assim, em momentos ordinários, com amigos, ou nos lugares que costumávamos frequentar quando adolescentes.

Nunca mais tive contato com essas pessoas depois da escola, nunca cheguei a sentir algo minimamente parecido com saudade… Mas Bárbara, juro, o isolamento me enlouqueceu!
Ou não… Pensando bem, talvez o isolamento tenha me trazido algum tipo de lucidez que eu não tinha aos 15. Escrevi pra pedir ajuda.

O pouco quase nada que sei sobre o Lucas hoje, vi no Instagram dele essa semana. Não nos seguimos, mas na conta dele, aberta, vi que já é pai, solteiro, e trabalha em alguma coisa de Educação Física… quem diria, mas enfim… Não tão interessante quanto eu achava que ele fosse estar. Mas o Lucas dos meus sonhos, o Lucas que “serviu pão de alho pra galera no churrasco de encontro da turma na copa de 2018” era muito apaixonante. Como posso estar aos 30 apaixonada por alguém que não existe?

Uma das minhas tias é terapeuta e está trabalhando daqui do sítio, nunca cogitei ser sua paciente, claro… Mas numa conversa sobre meus pesadelos (chamo de pesadelo porque ninguém merece voltar para o ensino médio, certo?) recorrentes, ela perguntou se não era uma vontade subconsciente de voltar e fazer tudo diferente. E acho que é isso, Bárbara, eu quero voltar e contar pro Lucas que gosto dele

Eu quero voltar e sair com minhas amigas, dizer sim a todos os convites que neguei por vergonha. Voltar e beijar os garotos que me davam moral e eu fingia que não era comigo. Voltar e quebrar meu coração… Sim, quero quebrar meu coração aos 15 pra não ter que passar por isso pela primeira vez aos 23. Quero perder o medo, quero falar alto na frente da turma, quero fazer amizades que não fiz por vergonha, desfazer amizades que fiz por conveniência, quero falar verdades na cara da Daiane, quero ser mais amiga da Lu, quero impedir a Ju de fazer aquela besteira, quero escrever mais nos meus diários de papel, quero NÃO escrever nos meus diários online e perder as senhas, quero salvar as fotos do orkut.

O isolamento me deu uma noção de tempo que eu não estava preparada para ter! Você consegue entender? Sem previsão de quando vamos voltar a desenhar um futuro, fui bombardeada pela frustração de não conseguir passar uma borracha no passado.
Não são coisas que eu vou conseguir consertar hoje, não é como se eu pudesse adicionar o Lucas e chamá-lo pra sair num mundo não-pandêmico. Não é ele que eu quero, o que eu quero são minhas oportunidades de volta.

Já fui à cidade algumas vezes fazer compras no mercado, e bate aquele sentimento de “como vai ser a readaptação à vida comum?”, mas hoje quando ando pelas pelas ruas da tal vida comum, penso em não deixar tantas frustrações para minha versão de 45. Não é sobre sair fazendo todas as merdas e ser inconsequente, mas sobre pensar o que é que me faz travar, brigar contra minha insegurança, ir com medo mesmo. Quero ir com medo mesmo! Quero enviar os currículos pras vagas que não enviei por me achar extremamente despreparada mesmo no meu LinkedIn (e várias pessoas dizendo o contrário), quero me apaixonar e não fazer amizade com o cara pra mascarar sentimentos. Quero cortar os caras sem noção que se aproximam desrespeitosamente e eu fico com dó. DÓ?! Você sempre me falou para não ter esse sentimento por quem não merece.

O sentimento que tenho é de que não vivi as fases da minha vida corretamente, quando adolescente queria ser adulta, e agora adulta, quero correr os riscos da adolescência. Quero levar pés na bunda aos 13 pra chegar aos 20 preparada, quero ir às noites de karaokê aos 16 para não passar mal quando for convidada aos 25, quero quebrar a cara e me reerguer, e chegar aqui acreditando que é possível sim se reerguer.

Enfim, você acha que eu enlouqueci? O isolamento me fez tão mal assim? Ou faz sentido?

Espero que esteja tudo bem, desculpe se não consegui fazer essa história maluca ter sentido. Não vejo a hora de poder fazer nossas sessões de terapia presencialmente de novo. Sinto falta até do cheirinho das velas do seu consultório; realmente não consigo fazer online, o trabalho sugou toda minha paciência para reuniões online, agradeço sua disposição em responder meus e-mails quando necessário, me ajuda muito.

Até breve.
Com carinho,
E.

Correção: Gabriela Leite

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Rayane France

brasiliense, 95’s, criativa, meio artista, meio escritora, beyhive e de Jesus