Por que o antifeminismo é anticristão?

Rayane France
4 min readMay 28, 2020

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– Deborah Maxx/Mundo Estranho

Falar sobre feminismo e fé é mexer num vespeiro, seja quando se fala a favor ou até mesmo quando se fala contra, mas a verdade é que toda a energia empenhada em defender bravamente esses dois lados poderia estar sendo investida na raiz do problema. E é dela que vamos falar aqui hoje.

Tudo bem se você é cristã e se considera feminista, e tudo bem se não se considera também (se você é homem, continue lendo). Acredite, o ponto não é esse e tentarei ser o mais neutra possível. Tentarei.

A maioria de feministas e até mesmo não-feministas, homens e mulheres engajados em causas sociais e inclusive defensores da família, por mais que discordem em qualquer outra coisa, concordam num ponto: o machismo é raiz do mal, não o feminismo, desmistificando o senso comum de que feminismo e machismo são opostos. Não são. O contrário de machismo é femismo ou até a misandria.

Pessoalmente entendo os dois lados, entendo mulheres que não se identificam com o feminismo por questões de raça, por exemplo, e em vários momentos problematizo o movimento por enxergá-lo como um ativismo classista e academicista que muitas vezes mais exclui do que inclui. Isso não está em pauta.

O fato é que o discurso antifeminista tem crescido entre lideranças cristãs, masculinas e femininas, influenciando pessoas sem ao menos repensar o nosso cenário social e as consequências de instaurar um ódio (ignorante) ao movimento das mulheres. Vale citar que muitas das mulheres que reverberam esse discurso geralmente são brancas, com condições financeiras, bem sucedidas, com famílias de instagram e estão no topo dos privilégios sociais, exceto pelo fato de serem, hmmm, mulheres.

Há algumas semanas uma amiga me mandou o print de uma pastora (!) famosa, que se encaixa no padrão que descrevi acima, respondendo em seu instagram que a ideologia feminista é TOTALMENTE anticristã (caso queira mais informações sobre essa afirmação equivocada, tem um texto sobre isso que você pode ler clicando aqui), mas nunca vi essa mesma mulher falar sobre os efeitos danosos do machismo na sociedade e dentro da igreja ou comentando sobre violência doméstica.

Uma mulher. Uma mulher pastora. Uma mulher pastora que em outras épocas seria silenciada.

Que bem faz às mulheres que apanham em casa essa pregação antifeminista? Que bem faz às mulheres que sustentam suas casas financeiramente e recebem menos que homens só por causa do seu gênero? Que bem faz ser antifeminista enquanto homens usam da descontextualização bíblica da submissão feminina para abusar de suas esposas?

Existe um grande investimento em descredibilizar o feminismo indo contra suas “mentiras”, mas que é totalmente desproporcional à elevação da Verdade. Muito se fala sobre como mulheres não podem ser, e pouco se fala sobre como homens devem ser.

Em nosso país, uma mulher é assassinada a cada duas horas, doze por dia em média, 1 é estuprada à cada 11 minutos, 503 vítimas de agressão por hora. Em 2017, dos 4.473 homicídios dolosos, 946 foram feminicídios, crimes de ódio motivados pelo gênero. Considerando os últimos dados da Organização Mundial da Saúde, o Brasil ocuparia a 7ª posição entre as nações mais violentas para as mulheres de um total de 83 países.

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Nesse cenário que por si só já é aterrorizante, estamos num tempo de pandemia onde os números de feminicídio e violência doméstica só aumentaram, a Igreja deveria estar empenhada em evitar que mais mortes acontecessem por conta do machismo e não levantando pautas completamente irrelevantes mas que podem ser prejudiciais.

O antifeminismo pode servir de background para a perpetuação de uma cultura machista onde mulheres vivem com medo e agressores saem impunes e outros nem denunciados são. O antifeminismo faz com que mulheres não tenham forças ou desconheçam seu direito na hora de denunciar assédio em estruturas de poder como o trabalho, a própria casa, a escola e até mesmo a igreja.

Respondendo a pergunta, a verdade é que cristãos deveriam investir energia em buscar serem cada dia mais parecidos com Jesus. Cada dia mais semelhantes a Deus, e isso incluir exterminar o machismo, que deturpa a imagem do Criador na criação, de gastar tempo e saliva com o que não gera mudança. Quanto mais parecido homens e mulheres forem com o Senhor, menos serão moldados e enganados por qualquer ideologia, seja ela feminista ou não.

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Rayane France

brasiliense, 95’s, criativa, meio artista, meio escritora, beyhive e de Jesus