Luto e Letargia. Não necessariamente nessa ordem.

Rayane France
4 min readApr 3, 2021
Anna Macht

Duas perguntas: O que Deus espera de mim? O que eu espero de Deus?

As respostas escorrem como pedido de socorro e desabafo ao mesmo tempo, indistinguíveis no meio do medo. Quando falo “tempos de pandemia” não penso só em um vírus, penso em tudo o que está acontecendo desde a primeira morte: vírus, doença, morte, política, ignorância, saudade, morte, fé, fome, crise, morte.

Nos jornais, a notícia de que não há sacos fúnebres para todos os corpos, alguns vão para a funerária enrolados em toldos. Luto. Luto não só pela vida, mas pela dignidade de alguém que após a morte foi tratado como um pedaço de carne qualquer. É dolorido pensar que poderia ser minha mãe enrolada num toldo, o que é pior ainda do que imaginar que poderia ser eu.

O que Deus espera de mim? Não sei. O que eu espero dEle?
Por algum tempo esperei a cura, conseguia orar por restauração, esperar pelo melhor… mas a neblina aumentou com o decorrer das semanas, meses, à ponto de não conseguir ver a tal da luz no fim do túnel. Deus me ama, eu sei que me ama, mas o que tenho de especial ? Ele não poupou seu próprio filho da dor, por que pouparia a mim? Por que diante da oração de todo o mundo, ouviria a minha?

Anna Macht

Eu também amo a Deus, não como Ele merece ser amado, talvez não no maior que meu coração consiga, mas amo a ponto de doer, só que conheço pessoas que amam mil vezes mais do que eu, e algumas delas também não foram poupadas. Por que eu seria? O Ele espera de mim?

Como vivenciar a espiritualidade plena no luto? Como ter fé genuína sem cair nos enganos da alta performance dos fariseus? Eu não sei. Ao Deus que sei que está lendo: eu juro que não sei.

Existe culpa. Culpa em não conseguir orar, ou pelo menos em não conseguir orar como deveria. Paro aos pés do Eterno e me permito ser lida por minutos, não sei por onde começar, não sei o que falar, nem se deveria ter o que falar… está errado querer estar ali por horas a fio em silêncio? Está tudo bem partilhar da tristeza com o Espírito Santo ? Não busco (mais) respostas, só não quero estar só. Culpa por não chorar. Um estado de letargia que caminha entre o drama profundo e o nada. Vazio.

Bombardeios de pedidos de oração por todos os lados e, num suspiro após ler seus nomes, só consigo dizer baixinho: “Senhor, misericórdia…”. Não o culpo, em momento nenhum, desde o início o Homem não tentou ao menos esconder sua responsabilidade, Deus provavelmente está triste também.

Guardo minha fé como uma pérola. Como uma criança que recebe algo precioso e guarda nas mãos em concha, observando de vez em quando por uma pequena abertura. Não posso perdê-la, é tudo que tenho, o mais valioso da vida. E depois da vida também, quando a fé não for mais suficiente porque O verei face a face.

Essa é uma escrita sem fim, em completa agonia por dar passos no escuro, que talvez ganhe um desfecho quando revisitada no futuro, mas agora, tem que doer. Entre a letargia completa e a dor, o luto é sinal de que ainda há um resto de humanidade não corrompida que consegue chorar com os que choram.

“…e o que dizer a minha filha quando ela fizer tantas perguntas, e eu falhar em preencher seu peso com paz. Quando não tenho respostas para joelhos machucados ou câncer, mas há um salvador que os sofre comigo, cantando “adeus, olympus”, o coração do meu criador está espalhado na estrada, nas pedras e nas ervas daninhas. E afrodite não iria chorar, nem Zeus sofreria pelos fracos. Mas você veio para ficar por dentro da minha dor?John Mark McMillan

Anna Macht

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Rayane France

brasiliense, 95’s, criativa, meio artista, meio escritora, beyhive e de Jesus