A Droga da depressão

Rayane France
5 min readFeb 22, 2021
Pills — Tiziano Zaffiri

Talvez não tenha pé nem cabeça. Talvez vários parênteses sejam abertos no meio da leitura. Talvez eu mude de assunto algumas vezes. Talvez tenha uma piada no meio de um drama. Talvez um drama vire piada. Conviver com ansiedade e depressão é uma rotina cheia de talvez, cheia de por enquanto, mas vamos lá.

Primeiro, o motivo do meu surto é uma combinação: a vida, disfunções hormonais, e o governo Bolsonaro (era pra ser irônico, mas a essa altura do campeonato, não é mais…), logo, além do tratamento psiquiátrico, me trato com endocrinologista, psicóloga e nutricionista. A ansiedade nasceu comigo, a depressão eu não lembro quando chegou, mas também não lembro como era viver antes dela.

2020 terminou difícil, muito difícil. Sei que não foi só aqui, mas cheguei no ápice do desgaste emocional e exaustão. Para piorar fiquei sem remédio no começo de 2021, fiz as contas errado, procrastinei marcação de consulta — assumo a culpa — , e demorei a perceber que poderia estar tão para baixo por falta das drogas lícitas de tarja vermelha que tomava todos os dias. Conversei com minha psiquiatra, peguei a receita e fui pra farmácia em frente ao prédio: “R$236 moça, R$204 com desconto”, para um mês, UM MÊS de UMA medicação. Não existe nada que me incentive mais a vencer o quadro depressivo do que o preço dos remédios.

“Débito, por favor.”

Paguei, agradecendo a Deus por ter um emprego que me possibilita pagar um absurdo de plano de saúde mais outro absurdo em medicação, por ter amigos e uma família que completam a grana quando falta. E fui embora pensando em todas as pessoas que não têm essa chance. Quantos suicídios seriam evitados se a indústria farmacêutica não tripudiasse em cima da saúde mental das pessoas? Se o governo investisse mais no cuidado mental ao invés de fechar centros de tratamento? E se um dia eu não tiver esse dinheiro, o que acontece? Aí entra a ansiedade, que me leva para os piores cenários e tenta resolver coisas que fogem por completo do meu controle.

Confesso que antes já achei bem esquisito pessoas que tiravam selfies no meio de crises, se gravavam chorando, fotos derrubadas… até eu me ver no mesmo lugar. Essas fotos da galeria são do mesmo dia, minutos de diferença. Embaixo, cara limpa, totalmente cansada de pensar em todos os problemas de saúde que estava tratando ao mesmo tempo e nas reações do meu corpo, estava péssima, me via péssima. Talvez a gente abra a câmera frontal como quem olha no espelho e vê seu pior, triste por estar triste, triste por ter que tomar drogas para não estar triste.

Foto da minha galeria de imagens em agosto de 2020, quando eu precisava tomar vários comprimidos por dia, mais de 10: psiquiátricos, vitaminas, alergias, hormonais, endocrinológicos. Nesse dia, tomei alguns deles e fui me maquiar pra ficar em casa, tirar foto com meu batom novo. Outra pessoa? Sorrindo, maquiada ou mascarada? E não, não era fingimento, era só mais um dos altos e baixos e todos os picos de sentimentos que alguém com transtornos psicológicos pode experimentar dentro de uma hora.

Algumas vezes me vi olhando minha imagem abatida refletida em algum lugar e pensando “como eu cheguei até esse ponto?”. Em outras, tirei sarro com minha cara: “rapaz kkkkk tá f*da” e dei um risinho. Felizmente, não é todos os dias que meu humor peculiar é roubado.

Outra causa que pode desencadear quadros ansiosos e depressivos: a vida adulta. Como é difícil se tornar adulto e conciliar todas as coisas da vida! O jovem hoje só quer saber de uma coisa: convênio médico e saúde mental, e não é à toa. Lembro que no caminho da minha primeira consulta psiquiátrica, achei que fosse passar mal no carro, meu corpo tremia, meu estômago revirava, eu esquecia como respirar (essa parte pra mim é horrorosa. Em crises ou picos de ansiedade, meu cérebro começa a esquecer como respirar), minha barriga doía… Isso fisicamente falando. Por dentro, eu me sentia vulnerável, exposta, perdida, não sabia como seria, mas sabia que precisava; e passando tão mal, só tinha mais certeza de que, de alguma forma, estava fazendo a coisa certa.

Para tratar meu sono, além da psiquiatra visitei um dentista do sono, uma otorrino, uma fonoaudióloga… fora as outras médicas que já me acompanhavam (várias vezes pensei em fazer um grupo com as quatro e falar “por favor, cheguem a um consenso”), e beirava o desespero. Realmente, quanto mais médicos você vai, mais coisas que precisam ser tratadas aparecem, e, de repente, você descobre que ser adulto é pagar convênio para evitar morrer. Por causa de um dos exames que fiz no caminho, tive medo de morrer, medo de descobrir algo que realmente fosse grave; era ansiedade me fazendo sofrer por aquilo que não estava ao meu alcance. De novo.

“Até quando?” é a pergunta que muitas pessoas que estão na mesma situação se fazem ou ouvem bastante, mas além de não ser tão simples, esbarrar numa pandemia tornou tudo mais complicado. Fico pensando na quantidade de gente que desenvolveu transtornos, piorou ou regrediu no tratamento durante o último ano. “Até quando for necessário” é a resposta. Até que sinta segurança (baseada em exames e como me sinto) que é a hora de tentar diminuir dosagens. E tudo bem.

Me dou bem com os comprimidos. É importante internalizar isso para não ver a medicação como um inimigo. Com a rotina acontecendo, é fácil esquecer onde se estava antes do tratamento e qual é o endereço do fundo do poço. Se as medicações estão me ajudando a viver e me cuidar, então vamos ser amigas até melhorar.

E se não melhorar nesta vida, tudo bem também. O corpo glorificado não precisará de antidepressivos.

Revisão e correção: Gabriela Leite

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Rayane France

brasiliense, 95’s, criativa, meio artista, meio escritora, beyhive e de Jesus